quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Sobre Barulho e Escolas

O nível de desinformação que rola no Facebook e a facilidade que as pessoas têm pra abraçar algumas bandeiras sem o menor senso crítico é algo que me entristece. O mesmo vale para parte da mídia que replica com levianidade os mesmos argumentos parciais que infestam a rede. Vi muita gente sem noção comentando o caso da escola União Criança nos útimos dias. Digo "gente sem noção" porque a impressão que tenho é que nenhuma das pessoas que repostou mensagens de pais indignados se prestou a estudar o caso a fundo. A maioria - se não todas - as mensagens assume um maniqueísmo grosseiro: de um lado, as pobres crianças que "perdem o seu direito à infância", como disseram por aí. De outro, a vizinha egoísta que pretende "acabar com a educação no país", como também disseram por aí. Gente, a discussão não é bem essa. Por trás de toda a história está a direção do Grêmio Náutico União que desde 2007 vem tratando o caso com descaso (rá!) sem tamanho.

Vamos aos fatos: a escola União Criança costumava estar localizada dentro do clube, em um espaço amplo, bem diferente do espaço em que se encontra hoje. A mudança ocorreu porque o clube resolveu construir um estacionamento onde antes ficava a escola. Estacionamentos são um negócio bem mais rentável que a educação. Todos sabem disso. No fim das contas, a escola foi transferida para uma casinha na Rua Marquês do Herval. De um lado dessa casinha mora a vizinha que entrou na justiça e que acabou sendo tratada como vilã da história, mesmo sem ser. Do outro lado, moro eu e minha família há 25 anos. A janela do meu quarto, aliás, dá exatamente para o pátio da escola. Estão dizendo por aí que o processo todo é um absurdo, que representa a vontade de uma pessoa contra a vontade de todos. Vontade de todos? Peraí! Quer dizer que a vizinhança do Grêmio Náutico União não faz parte desse todo? Desde que moro aqui (minha vida inteira!) o ruído oriundo do clube sempre foi um pé no saco. E tenho certeza de que não falo só por mim. Tanto que existe outro processo, movido por outros vizinhos, que reclamam justamente do barulho descomunal gerado pelo clube. Barulho esse que, diga-se de passagem, não tem dia nem hora pra acontecer, já que a sede Moinhos de Vento é "pioneira no oferecimento de serviços 24 horas".

Mas voltemos à escola: se o barulho já era ruim antes, ficou ainda pior. Na realidade, o volume de emissão sonora da escola é cinco vezes superior ao permitido por Lei. Isso foi atestado por perícia realizada a mando do TJ. Se é natural que crianças façam barulho, não é natural - muito menos saudável - que alguém esteja sujeito a esse barulho doze horas por dia. Imagina que tu quer falar ao telefone quando vinte cianças estão no pátio. Não dá. Agora imagina que tu quer ler. Também não dá. Imagina que tu quer estudar. Desiste, chapa. Agora imagina que tu depende justamente disso tudo pra sobreviver. Imagina que teu sustento está baseado em algum tipo de atividade que exige o mínimo de concentração. Esse é o caso da vizinha que moveu o processo, e esse é também o meu caso. Nos últimos cinco anos, tenho sido obrigado a ajustar a minha rotina à rotina da escola. Nesse tempo, compartilhei minha frustração com muita gente. É triste não conseguir fazer o que se tem vontade dentro da própria casa. Se alguém duvida que a situação seja essa, as portas estão abertas. Empresto o quarto pra quem quiser trabalhar uma tarde aqui. Se conseguir fazê-lo, ganha um doce. Salvem a União Criança, sim, mas salvem-na da negligência da administração do clube. E vamos ser mais criteriosos pra não difundir bobagens por aqui. Se alguém tiver interesse em conhecer melhor o caso, estarei debatendo a situação no programa Polêmica da Rádio Gaúcha (FM 93.7 / AM 600) amanhã a partir das 9h30.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Incapaz

Ele detestava comer sozinho. Sentia-se triste. Quem come sozinho é incapaz de amar. É um pária. Ninguém gosta de comer sozinho. Muito menos de ser visto comendo sozinho. Imagina o que os outros pensam sobre quem come sozinho. Pensam que quem come sozinho é um pária. Pensam que quem come sozinho é incapaz de amar.

***

Lá estava eu, sentado à mesa, comendo sozinho. Sentia-me incapaz de amar. Sentia-me um pária. A comida me enojava. Eu, sozinho em um restaurante de merda. Vida de merda. Nada é pior do que comer sozinho. Então ela passou em frente ao restaurante e tudo ficou ainda pior. (Será que comer sozinho em um restaurante bom é diferente de comer sozinho em um restaurante de merda?) Mas o fato é que então ela passou em frente ao restaurante e olhou lá pra dentro, diretamente pra mim. Eu, sentado à mesa, sugando macarrão. Alguém incapaz de amar, sozinho em um restaurante de merda, sugando macarrão. O retrato de um pária. Sujei a camisa de molho. Ela olhou lá pra dentro, diretamente pra mim, e seguiu caminhando. Na certa pensou que eu era incapaz amar. 

domingo, 21 de outubro de 2012

Otenos ad Oaçarapes

O telefone calou.
De repente, não mais que de repente,
Gosto de cobre na boca.
De repente, não mais que de repente,
A dor parece uma bola de pêlo no estômago.
De repente, não mais que de repente,
A estranheza. 
De repente, não mais que de repente,
Vômito.
De repente.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Dor nos Dentes

Às vezes chego em casa com dor nos dentes. Tenho medo de perdê-los. Passo a língua sobre os molares, sobre os caninos e sobre os incisivos e todos parecem frouxos. A impressão que dá é que se pusesse um pouco mais de força na língua os dentes pulariam para fora da boca. A gengiva nem sangraria.

As raízes apodreceram.

domingo, 30 de setembro de 2012

Circo

"A vida é perfeita! Tudo é perfeito!", exclama um sujeito na rádio. O motivo de sua felicidade é um gol. Panem et circenses em prática.

Pollice verso.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Granizo

Uma vez choveu granizo. Eu estava na casa de meus avós. Acho que era primavera. O céu ficou escuro de repente. Da sala escutei as primeiras pedrinhas de gelo baterem no chão do pátio. Tirei os sapatos e a camiseta e corri para fora de casa. O piso ainda estava morno. Abri os braços e me deixei acertar pelo gelo. O corpo inteiro alvejado pelo granizo; a dor; a chuva fria; o chão ainda morno. O barulho das pedras batendo no pavimento. A chuva não deve ter durado mais do que dez minutos. Sentei na escadinha que levava à porta e observei as nuvens pretas se afastarem.

sábado, 15 de setembro de 2012

Compras

Disse que faria compras. Foi ao shopping e voltou com uma caixa de antidepressivo, xampú e desodorante.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Julho/Agosto/Julho

Agosto, oitavo mês do calendário gregoriano. Recebeu este nome em homenagem ao fundador e primeiro do Império Romano, Caesar Augustus. Caesar Augustus, herdeiro de Iulius Caesar, cujo nome foi adotado pelo sétimo mês do calendário gregoriano, Julho. Iulius Caesar nasceu em treze de julho do ano cem antes de Cristo e Caesar Augustus morreu em dezenove de agosto do ano catorze depois de Cristo.

Júlio veio antes, Augusto veio depois. Júlio nasceu em julho e Augusto morreu em agosto. Fine.

Curiosas aliterações históricas.
Busto do Imperador Augustus exposto no Musei Capitolini em Roma.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Segundo Beijo

O segundo beijo só aconteceu anos depois do primeiro. Nesse meio tempo segui mantendo vivas todas as fantasias que me levaram àquele Verdade ou Consequência. Não beijar, contudo, não foi uma opção. Foi antes fruto da minha própria baixa auto-estima, reforçada, talvez, pela experiência desastrosa da tentativa anterior. Isso não significa, claro, que eu não tenha me interessado por algumas meninas durante o hiato. Pelo contrário. Era gamado em uma colega e permaneci assim até terminar o Ensino Médio. Apesar disso, nunca consegui demonstrar que era a fim dela. Beijá-la, então, estava fora de cogitação. Na mesma época, também gostava de uma amiga de uns amigos meus. Jogávamos RPG religiosamente todos os finais de semana. Eu era o bobão do grupo. Divertia-me contar piadas, fazer as pessoas rirem. Sou assim até hoje quando estou entre conhecidos. Acho que foi o meu senso de humor que me garantiu uma nova chance.

Convidei todo o grupo de RPG para minha formatura de Ensino Médio. Ela inclusive. A festa foi em um clube bem pertinho de onde eu morava. Depois da colação de grau, comemos pizza na minha casa e em seguida fomos caminhando até o baile. No caminho, ela se aproximou de mim e ficamos falando bobagens. Aquilo me fez bem. Não vou negar que imaginava beijá-la naquela noite. A possibilidade me excitava. Ainda assim, pensava que nunca aconteceria. A simples idéia de iniciar um flerte qualquer que me levasse à sua boca me fazia suar frio. O quê eu poderia dizer? Como fazê-la perceber minhas intenções? Como me portar? Não tinha respostas para essas perguntas. Falar bobagens, na minha cabeça, não seria suficiente e por isso sabia que a noite terminaria sem que acontecesse porra nenhuma. Por sorte eu estava errado.

A iniciativa foi dela. Sentávamos juntos ela, dois colegas e eu. Acho que eles devem ter percebido que rolaria alguma coisa, pois em algum momento nos deixaram sozinhos e foram aproveitar o baile. Eu, bobo, não apenas deixei de notar o interesse dela como também fiquei chateado com meus amigos que encheriam a cara sem mim. Mas era minha missão como anfitrião da festa entretê-la, e portanto seguimos conversando. Entre um assunto e outro, senti que ela segurava minha mão. Ao perceber, meu coração disparou. Houve um silêncio incômodo e quando me dei por conta já estávamos nos beijando. E foi tudo natural. Não precisei dizer nada. Não precisei fazer com que ela percebesse minhas intenções. Não precisei me portar de maneira especial. Simplesmente aconteceu, e seguiu acontecendo até que as luzes do salão foram acesas. Voltei para casa cantando com os passarinhos.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Primeiro Beijo

Eu devia ter uns catorze anos quando beijei pela primeira vez. Naquela idade, ser bv - o famoso boca virgem - era motivo de gozação. Os malandrinhos do colégio não perdiam oportunidades para zombar daqueles que, como eu, nunca tinham sentido a boca de outra pessoa. Eu não ligava para as piadas, ou, se ligava, não deixava a preocupação resplandecer. Atinha-me à idéia romântica, talvez até infantil, de que meu primeiro beijo seria algo especial. Para ser especial, teria de acontecer com alguém especial, em circunstâncias também especiais. Alimentava esse pensamento com força; desta forma me fazia imune ao chiste dos outros.

Naquele verão, fiquei interessado em uma menina. Era a prima de um vizinho meu. Veraniávamos na mesma praia desde muito tempo, mas até aquela temporada jamais havia reparado nela. Não sei ao certo o que aconteceu. O fato é que de uma hora para a outra aquela menina tornou-se alvo do meu desejo. Precisava beijá-la e precisava tornar o beijo aquela coisa especial. Falei de minhas intenções para um amigo. Ele era alguns anos mais velho do que eu e uma completa negação com as mulheres. Isso, contudo, não o empediu de conspirar em meu favor.

Certa noite, marcamos uma partida de Verdade ou Consequência. A brincadeira é bem simples: os participantes sentam em uma roda e, entre eles, coloca-se uma garrafa. Em seguida, gira-se a garrafa. O jogador para o qual o gargalo apontar deverá então escolher se deseja responder uma pergunta com sinceridade - a verdade -, ou se deseja cumprir uma tarefa - a consequência. Toda a gurizada do prédio se reuniu na garagem para jogar. Acho que éramos uns sete, incluindo a menina e eu. Depois de algumas rodadas de perguntas, respostas, e tarefas, a sorte finalmente me sorriu. O gargalo da garrafa se voltou para a menina, e o fundo para o meu amigo. Ela, pobrezinha, escolheu consequência. Não deu outra. Ele, sabendo de minhas intenções, exigiu que a menina me beijasse. Apesar de antever essa manobra, congelei. Ela também. Pela sua expressão, percebi que estava horrorizada. Na certa não tinha atração alguma por mim.

Depois de muito vai-não-vai, ela concordou em ir comigo para trás da garagem. O beijo aconteceu lá. Não foi nada mais do que um selinho, rápido e insosso. Eu, que esperava tanto do primeiro beijo, fiquei frustrado. Ela, enojada. Depois de mal enconstar seus lábios nos meus, a menina saiu correndo para casa. Fiquei sabendo, mais tarde, que ela chegou a lavar a boca com sabão. A notícia foi desastrosa. Fiquei triste e, como era de se esperar, nunca mais falei com a menina. Passei a vê-la com vergonha. Sentia que, de alguma forma, havia feito algo terrível. Sentia que a tinha violado. Depois disso, fiquei anos sem beijar alguém.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Escutar The Smiths compulsivamente não é um bom sinal.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Puto(s)

Puto é uma palavra engraçada. Puto, na verdade, são muitos. Reza a lenda que vem do latim putu, que por sua vez significa menino ou rapaz. Em Portugal, o termo manteve seu significado original. Já no Brasil, puto passou a designar, segundo a maior parte dos dicionários, alguém "corrompido", "devasso" ou "dissoluto". Vai ver todos os homens que vendiam sexo na Colônia eram jovens e, portanto, chamados corriqueiramente de putos. Ou será que puto surgiu da masculinização de Puta, deusa romana das colheitas? Segundo Arnóbio, o Velho, as festas em honra à deusa eram tremendos bacanais regados à prostituição sacerdotal. Isso explicaria o significado do termo puta, com "a" no final, em muitos países de fala latina. Quem sabe? O que importa - e é aqui que queria chegar desde o início - é que puto pode significar, ainda, em linguagem informal do Brasil, "nada", "coisa nenhuma", ou um "estado de irritação tremanda". Não creio ser necessário saber a origem exata da gíria para parabenizar o gaiato que a criou e, possivelmente, difundiu. Há poucas palavras que dão mais prazer ao falante do que puto. As quatro letrinhas preenchem a boca em perfeita e sonora harmonia. "Estou puto". Só quem já se sentiu um belíssimo "coisa nenhuma" imerso em um "estado de irritação tremenda" entenderá a beleza do termo quando precedido pelo verbo "estar" no presente do indicativo.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Dia de cão; noite de lamber feridas.

sábado, 10 de março de 2012

KONY 2012?

A mais nova onda nas redes sociais é falar sobre o projeto KONY 2012, patrocinado pela ONG norte-americana Invisible Children. Nem me darei ao trabalho de disponibilizar o link para o video, já que dificilmente alguém ainda não o viu. O fato é que, de uma hora para outra, os horrores que a guerrilha liderada por Joseph Kony, o Lord's Resistance Army (LRA), vem perpetrando em algum lugar da África Central desde meados da década de 1980 foram expostos ao público e tornaram-se a mais nova bandeira de uma legião que até então pouco se interessava por Uganda, pela República Democrática do Congo, pela República Centro Africana ou pelo Sudão do Sul. Até aí, tudo bem. A internet tem este poder. Apresente um problema qualquer em um video bem produzido e voilá! O retorno é praticamente garantido. Em algum lugar do mundo alguém irá se identificar com a sua questão e, possivelmente, contribuirá com alguma grana. Dependendo do caso, a atitude é de fato louvável. Há pouco tempo, aqui mesmo em Porto Alegre, um grupo resolveu chamar a atenção para a falta de sinalização nas paradas de ônibus da cidade. A causa, também divulgada através de um video, logo chamou a atenção das autoridades responsáveis pela circulação de veículos na capital, que de pronto passaram a trabalhar para resolver o caso. A idéia por trás deste tipo de iniciativa é, de fato, cativante. Não só expande o velho ditado ambientalista - "pensar globalmente, agir localmente" -, mas também convida todos à mobilização popular. O problema é quando este tipo de ação se baseia em soluções que são, no mínimo, questionáveis.

No video, a Invisible Children pede que o governo dos Estados Unidos - mas também que celebridades do cinema, do esporte e da música - posicionem-se ativamente para promover a captura de Kony. A ONG sugere que a melhor maneira de o país demonstrar a sua indignação com os crimes do LRA é treinar e possivelmente armar combatentes locais até que estes cumpram a missão de levar Kony ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia. Como se isso fosse fácil. Caro Jason Russel, pai do KONY 2012, permita-me dizer: não é. Bem pelo contrário. Dar cabo a um movimento de guerrilha é uma tarefa das mais complicadas. A história está cheia de exemplos - alguns bem recentes - para confirmar esta afirmação. Mas a proposta de Russel não é furada simplesmente pela dificuldade empiricamente comprovada de se vencer uma guerrilha. O que a torna ainda mais frágil é o fato de estar amparada sobre uma completa ignorância em assuntos militares. Esta ignorância foi reconhecida e questionada em diferentes artigos que surgiram em resposta ao barulho causado pela campanha. Não pretendo, portanto, repetir ou revisar os argumentos de gente como Jack McDonald ou Grant Oysten. Eles estão disponíveis gratuitamente para quem se interessar em ter uma visão mais realista do problema. Mais realista pois não acredita que guerras possam ser vencidas com cartazes, adesivos e pulseirinhas. Mais realista pois compreende que guerras só terminam, infelizmente, quando há derramamento de sangue.

Mas é claro que uma ação que apresentasse o problema da África Central desta forma jamais ganharia a atenção do público. Pelo contrário. É bem possível que as pessoas que hoje comentam a campanha freneticamente no Facebook e no Twitter fechassem os olhos para o video e continuassem a matar seu tempo com virais mais despretenciosos. De certa forma, a Invisible Children acertou ao veicular a idéia de que é possível acabar com um conflito da frente de um computador. Seus cofres certamente ficarão bem mais recheados nos próximos dias. Pena que ao mesmo tempo a ONG tenha contribuido para a alienação daqueles que pensam que guerras só acontecem por que há no mundo mocinhos e bandidos.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Conveção de Condomínio

Da convenção de condomínio:

Capítulo II: Das Disposições Gerais
Art. 2º São deveres dos condôminos e moradores:
II - Evitar o ingresso no edifício de pessoas de maus costumes, vida desregrada, ou moral duvidosa.

Engraçado como o espírito do pequeno burguês - ou simplesmente do burguês, dependendo do caso - se manifesta em um documento tão singelo quanto uma convenção de condomínio. Não de forma explícita, claro. Até o pequeno burguês se assustaria caso percebesse os absurdos a que se condiciona. Ainda assim, seu espírito está lá, escondido entre capítulos, artigos e disposições. O pequeno burguês não nota, mas em cada uma de suas palavras reside todo o consevadorismo que o sustenta. Esse conservadorismo o pequeno burguês mantém com afinco. Não quer ver seus valores contaminados com aqueles que imperam fora de seu apartamento. Por isso se afasta da realidade, afastando também todos os que poderiam fazê-lo ver que há algo além do quarto em que vivem. A esses indivíduos o pequeno burguês dá o nome de "pessoas de maus costumes, vida desregrada, ou moral duvidosa". Mas qual moral, se não duvidosa, levaria a um texto assim?

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pregações

"Com licença, o senhor gosta de ler?" A pergunta me pegou de surpresa. Nem minha cara de cu usual inibira o sujeito de se aproximar. Qualquer que fosse a reposta, contudo, sabia que seria seguida de algum tipo tipo de oferta esdrúxula. Encarei o sujeito por um segundo: calças pretas, sapatos pretos, e camisa branca de mangas curtas, abotoada até a gola. Crente ou vendedor de enciclopédias. Como enciclopédias estão em baixa, apostei na primeira opção. Não respondi. "O senhor já leu a Bíblia?" Batata, era crente mesmo. "Não, não li." "Entendo. Muitas pessoas têm dificuldade em ler. Talvez o senhor gostasse de começar por algo mais fácil. Tenho aqui comigo algumas palavras de conforto..." Algo mais fácil. Na certa leio por semana mais do que o cara já leu em toda a vida. "Olha, meu amigo, não estou interessado". Tentei ser cordial, por pior que fosse. Não nutro o menor respeito por qualquer tipo de crente. "Tem certeza, senhor? As palavras vêm acompanhadas de ilustrações e..." Acompanhadas de ilustrações. Naquele momento o sujeito pôs minha paciência em xeque. "Cara, não quero. Não acredito nessas merdas." Ele me olhou estarrecido. Na certa não escutava "merdas" todos os dias. Balançou a cabeça e foi embora. Fiquei tranqüilo, na minha.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Villaró

Há algumas semanas, uns amigos me chamaram pra comer em um destes restaurantes chiques da cidade. Eles tinham descolado um jantar por um precinho camarada em um site de compras coletivas. Esses sites funcionam de uma forma bem simples: a loja oferece um serviço por um valor reduzido desde que um número específico de pessoas comprometa-se a comprá-lo. Quem compra imprime um voucher e apresenta no estabelecimento. O rango, portanto, sairia praticamente de graça. Aceitei o convite, ainda que com um pé atrás. Nunca me sinto à vontade em lugares da moda e sabia que o tal restaurante estaria cheio de narizes empinados. A companhia de meus amigos e a perspectiva de fazer um programa diferente, contudo, valeriam o esforço.

Cheguei ao local combinado pelas 21h30, levemente atrasado graças a uma porta que teimava em ficar trancada. Era uma quinta-feira e o tal parrilla lounge estava lotado, justamente como imaginei que estaria. Parrilla, para quem não sabe, nada mais é do que o churrasco uruguaio. Lounge é um tipo de música que mistura jazz, bossa-nova, eletrônica e o que mais o disco-jóquei quiser. Qual a moral de se comer churrasco escutando este tipo de som eu não descobri. Pretensão, talvez? Combinaria com as fotos de Punta del Este penduradas nas paredes do lugar. Aliás, casa inteira queria passar ao comensal a impressão de que ele estava de fato em Punta.

Passado o choque - afinal, fora transportado para o Uruguai! - pus-me a procurar meus camaradas. Logo de entrada percebi que uma moça me fitava com uma cara-de-o-que-tu-ta-fazendo-aqui,-cabeludo. Ignorei-a sem dó e me dirigi à mesa de meus comparsas. Eles bebericavam uma água e conversavam animadamente. Assim que sentei, um garçom trouxe o cardápio. Aproveitei para indagá-lo sobre o funcionamento dos tíquetes promocionais. Ao ouvir a palavra tíquete, contudo, o sujeito prontamente foi atender o casal da mesa ao lado. Fiquei, literalmente, falando sozinho. Surpreso com a atitude do garçom, fiz sinal para que um outro viesse até mim. Deixei o voucher sobre a mesa enquanto o moço se aproximava. Ele foi chegando devagar e, ao perceber a existência do cupom, imediatamente voltou-se para uma outra mesa. Fiquei mais uma vez no vácuo.

Àquela altura, já estava enraivecido. Meus amigos, por outro lado, pareciam bem mais tranquilos. Foi aí que eles, experientes com promoções, disseram-me que o tratamento dispensado para quem usa tíquetes geralmente é assim. O negócio era ser paciente e rir com situação. Fiquei incrédulo. Era a primeira vez que usava aquele tipo de serviço, e em minha cabeça não fazia sentido algum que um restaurante fizesse tamanha propaganda contra si.

Após algumas tentativas frustradas, consegui chamar a atenção de um terceiro garçom. Ele anotou nossos pedidos com ar rabugento, recolheu os cupons impacientemente e saiu. A comida foi servida mais ou menos meia hora depois. Qual não foi nossa surpresa ao perceber que os pratos não batiam com a descrição do menu? O "Risoto de Manjericão com Castanhas do Caju" levava manjericão e castanhas só no nome. A noite se tornara uma bela palhaçada. De que adianta fazer promoção se na hora o cliente se ferra? Meu bom senso diz que cliente é cliente, seja com tíquete, seja sem. A verdade é que após verem os pratos até meus amigos, que estavam levando tudo na esportiva, se chatearam. Tanto que nem nos demos o trabalho de reclamar. Comemos nosso risotto insosso, pagamos a conta e demos no pé. Na próxima, parrilla lounge nem pensar.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Se não fosse verdade, não seria clichê.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Esmalte preto pra esconder o sangue sob tuas unhas.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Balanço

Ainda ontem conversava com um amigo sobre as dificuldades de manter um blogue quando se é acadêmico. Depois de passar horas lendo e escrevendo sobre os assuntos mais estapafúrdios, guerra irregular, no meu caso, e cyber-coisas, no dele, escrever por prazer pode ser um martírio. Porque chega um momento do dia em que tudo o que o cérebro quer é água. Por mais que tentemos, o esgotamento mental é tão grande que as idéias simplesmente não surgem. Às vezes, nem mesmo surge a vontade. É tão mais fácil ver TV! Talvez haja uma forma de doutrinar, quem sabe, a cabeça para um último gás. Tipo o sprint do maratonista na reta de chegada. Ainda não descobri como fazê-lo, mas tenho um palpite que seja uma questão de prática. Então, já que ainda é Ano Novo, acho pertinente fazer pelo menos uma promessinha para o Gulag. Sobretudo tendo em vista o ridículo número postagens em 2011. Correndo o risco de deixar o blogue ainda mais pessoal do que já está - não era exatamente esta a idéia quando o criei -, proponho no mínimo uma postagem por semana em 2012. Acreditem, é um tremendo desafio. Veremos se conseguirei cumpri-lo.