sábado, 10 de março de 2012

KONY 2012?

A mais nova onda nas redes sociais é falar sobre o projeto KONY 2012, patrocinado pela ONG norte-americana Invisible Children. Nem me darei ao trabalho de disponibilizar o link para o video, já que dificilmente alguém ainda não o viu. O fato é que, de uma hora para outra, os horrores que a guerrilha liderada por Joseph Kony, o Lord's Resistance Army (LRA), vem perpetrando em algum lugar da África Central desde meados da década de 1980 foram expostos ao público e tornaram-se a mais nova bandeira de uma legião que até então pouco se interessava por Uganda, pela República Democrática do Congo, pela República Centro Africana ou pelo Sudão do Sul. Até aí, tudo bem. A internet tem este poder. Apresente um problema qualquer em um video bem produzido e voilá! O retorno é praticamente garantido. Em algum lugar do mundo alguém irá se identificar com a sua questão e, possivelmente, contribuirá com alguma grana. Dependendo do caso, a atitude é de fato louvável. Há pouco tempo, aqui mesmo em Porto Alegre, um grupo resolveu chamar a atenção para a falta de sinalização nas paradas de ônibus da cidade. A causa, também divulgada através de um video, logo chamou a atenção das autoridades responsáveis pela circulação de veículos na capital, que de pronto passaram a trabalhar para resolver o caso. A idéia por trás deste tipo de iniciativa é, de fato, cativante. Não só expande o velho ditado ambientalista - "pensar globalmente, agir localmente" -, mas também convida todos à mobilização popular. O problema é quando este tipo de ação se baseia em soluções que são, no mínimo, questionáveis.

No video, a Invisible Children pede que o governo dos Estados Unidos - mas também que celebridades do cinema, do esporte e da música - posicionem-se ativamente para promover a captura de Kony. A ONG sugere que a melhor maneira de o país demonstrar a sua indignação com os crimes do LRA é treinar e possivelmente armar combatentes locais até que estes cumpram a missão de levar Kony ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia. Como se isso fosse fácil. Caro Jason Russel, pai do KONY 2012, permita-me dizer: não é. Bem pelo contrário. Dar cabo a um movimento de guerrilha é uma tarefa das mais complicadas. A história está cheia de exemplos - alguns bem recentes - para confirmar esta afirmação. Mas a proposta de Russel não é furada simplesmente pela dificuldade empiricamente comprovada de se vencer uma guerrilha. O que a torna ainda mais frágil é o fato de estar amparada sobre uma completa ignorância em assuntos militares. Esta ignorância foi reconhecida e questionada em diferentes artigos que surgiram em resposta ao barulho causado pela campanha. Não pretendo, portanto, repetir ou revisar os argumentos de gente como Jack McDonald ou Grant Oysten. Eles estão disponíveis gratuitamente para quem se interessar em ter uma visão mais realista do problema. Mais realista pois não acredita que guerras possam ser vencidas com cartazes, adesivos e pulseirinhas. Mais realista pois compreende que guerras só terminam, infelizmente, quando há derramamento de sangue.

Mas é claro que uma ação que apresentasse o problema da África Central desta forma jamais ganharia a atenção do público. Pelo contrário. É bem possível que as pessoas que hoje comentam a campanha freneticamente no Facebook e no Twitter fechassem os olhos para o video e continuassem a matar seu tempo com virais mais despretenciosos. De certa forma, a Invisible Children acertou ao veicular a idéia de que é possível acabar com um conflito da frente de um computador. Seus cofres certamente ficarão bem mais recheados nos próximos dias. Pena que ao mesmo tempo a ONG tenha contribuido para a alienação daqueles que pensam que guerras só acontecem por que há no mundo mocinhos e bandidos.