sexta-feira, 24 de junho de 2011

Tigresa

Hoje entrei em uma loja cheia de
Peles e couros e panos que
Imitavam animais.

Uma moça vestida de tigresa desfilava
Pra lá e
Pra cá,
Com seus sapatos de salto e mini-saia,
Bolsa gigantesca e casaco combinando:
Ar de quem quer ser grande coisa
(Ainda que não seja).

Foi quando percebi que detrás da tigresa
Havia apenas uma
Vaca.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Lembranças da Casa da Vó I

A casa da vó tem grades de ferro negro,
Muros baixos, ladeados por arbustos espinhentos de
Florzinhas vermelhas;
Tem grama à vontade e uma piscina que parece um lago;
Árvores de sombra e de frutas,
Cujas folhas caem no inverno e viram adubo
Pra horta que dá cenoura, tomate, beringela, xuxu e até
Alcachofra, além de uma porção de outras coisas;
Inclusive vontade de voltar à horta.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Rei da Sacanagem

Desde os tempos de colégio sou conhecido como o Rei da Sacanagem. O título, logicamente, não veio de graça. Teve a sua origem na época em que boa parte da minha mesada era destinada à compra de revistinhas de mulher pelada. Só um guri de doze ou treze anos sabe a emoção que é ir até uma banca de jornal com esse objetivo.

A operação era sempre muito bem pensada e envolvia o respeito a algumas regras que, na minha cabeça, facilitavam toda a empreitada. A regra número um era parecer seguro. Entrar na banca e escolher as revistas como se essa fosse a situação mais natural do mundo. Cordialidade com o jornaleiro era indispensável. Além disso, a estratégia envolvia um complexo sistema de rodízio: se em uma semana visitava a banca xis, na outra obrigatoriamente visitaria a banca ípsilon, depois a zê e assim por diante, até ter percorrido todo o bairro. A idéia era evitar ser taxado de punheteiro pelos jornaleiros. Fora isso, existia também o medo de receber um não. Afinal, era menor de idade e legalmente não podia comprar esse tipo de material. A sorte era que a grande maioria dos jornaleiros não estava nem um pouco preocupada com a legalidade do negócio e vendia as revistas sem hesitar. É claro que, às vezes, o temido não acabava vindo. Nessas horas, a vontade era de sumir e de nunca mais voltar àquela banca. De fato não voltava, pelo menos por um tempo. Passadas algumas semanas, acreditava que o jornaleiro já teria esquecido meu rosto e que portanto poderia voltar a visitá-lo sem problemas. Se achava que a barra ainda estava suja para o meu lado, contatava meu cúmplice e agíamos juntos.

O amigo em questão gostava tanto de sacanagem quanto eu. Éramos uma dupla imbatível no quesito putaria, verdadeiros connoisseurs. Sabíamos de cor os nomes de editoras, de publicações, as datas de lançamentos, e claro, conhecíamos muito bem as moças que ilustravam as revistas. Nos sábados, reuníamo-nos para comentar as revistas e planejar o roteiro de visitas da semana seguinte.

Em bem pouco tempo descobrimos a existência dos sebos e de seus infinitos acervos pornôs. Ainda que a idéia de comprar revistas de sacanagem usadas fosse estranha – estávamos sempre prontos para encontrar páginas coladas, manchas e cheiros – não nos preocupávamos com ela e passávamos tardes garimpando os sebos mais obscuros do Centro. Tomávamos um ônibus e íamos de sebo em sebo catando raridades. Mesmo durante as férias, na praia, investíamos em nossas coleções, comprando, vendendo e trocando revistinhas. Não havia gênero que não nos interessasse. Do catecismo à fotonovela explícita, dos quadrinhos orientais ao pornô ginecológico: se tinha mulher já valia o investimento.

Àquela altura toda a galera já sabia do meu hobby. Quando viu o que eu escondia embaixo da cama, não deu outra: coroou-me Rei da Sacanagem. Logo que recebi o apelido não gostei muito da idéia. Junto com o título vinha implícita a condição de punheteiro-mór. O que as meninas pensariam? Eu não era nenhum tarado e temia que o apelido pudesse fazer com que as pessoas pensassem o contrário. Aos poucos, contudo, fui percebendo que ser o Rei não era para qualquer um. Afinal, todo mundo gostava de sacanagem, todo mundo queria sacanagem, mas todo mundo tinha medo de admitir. Eu era diferente. Curtia uma putaria e afirmava isso com orgulho, com nobreza. Era mesmo o Rei.

A popularização da internet acabou transformando meu modus operandi. Mudei o foco para fotos digitais e a mesada passou a ser torrada em disquetes. Dali em diante comprava apenas aquelas revistas essenciais para qualquer coleção. As Playboys da Carla Perez, Tiazinha, Sheila Mello e de tantas outras musas dos anos 1990, hoje praticamente esquecidas. Meu amigo seguiu comprando revistas por mais algum tempo, mas acabou se rendendo aos bytes também.