sábado, 17 de setembro de 2011

Em Cena

Bueno, dane-se o prussiano. Segue o texto.

Já faz um tempo que sou espectador assíduo das peças do Porto Alegre em Cena. Todos os anos renovo minha Carteirinha da FUNAI e bato ponto na Usina do Gasômetro para comprar as entradas. Costumo chegar lá bem cedinho - o que não é fácil, uma vez que a venda de ingressos sempre inicia em um final de semana - na esperança de evitar filas quilométricas e ainda garantir bons assentos para cada espetáculo. Com a identificação de estudante no bolso, para conseguir os descontos que me cabem por direito, espero alegre, horas a fio, o momento de apontar para a moça do guichê os espetáculos que desejo assistir. Se não fossem os amigos, fiéis escudeiros que sempre me acompanham, talvez nem me dispusesse a viver essas emoções assim, anualmente. Mas o fato é que vou, ou melhor, ia.

Neste ano resolvi deixar o Festival para lá, dada a imensa carga de trabalho que tenho de vencer até o fim do semestre. Ao invés de mofar numa fila em uma manhã ensolarada de domingo, pedi a um desses amigos que comprasse um único ingresso para mim, pela internet mesmo. A idéia era poupar tempo e dinheiro, já que do ano passado para cá os ingressos sofreram um rompante inflacionário de assustar até uma Zélia de Mello. Depois de se irritar inúmeras vezes com o eficiente sistema de compras online do Festival, meu amigo ligou avisando que conseguira os tiquetes. O único porém era que os nossos assentos não eram tão bons, porque a peça era uma das mais procuradas e os ingressos estavam quase esgotados. Tudo bem, pensei, estas coisas são assim sempre. O importante é ter os lugares.

***

Cheguei ao teatro uns vinte minutos antes da peça começar. O espetáculo em questão tinha nome de dinossauro e um ator Global no elenco. Isso provavelmente explica porque os ingressos se esgotaram de forma tão rápida: não há quem não goste de dinossauros. Uma fila gigantesca já se formara em frente a porta. Encontrei meu amigo e aguardamos a bicha começar a se mexer para juntarmo-nos a ela. Após uma espera surpreendentemente curta, entramos no Salão de Atos e tomamos nossos assentos. A casa estava lotada. Desliguei o celular e esperei o sinal. As luzes enfraqueceram e o espetáculo teve início. Junto com ele, o meu martírio.

Todo o ano participo do Porto Alegre em Cena e todo o ano me esqueço como o público é burro. Por sorte ele nunca tarda a me lembrar. Acho surpreendente como o povo consegue ver graça em tudo. Por mais dramático que o texto seja, há sempre um engraçadinho para dar risada. Se a peça for declaradamente uma comédia, o circo está armado! Se for comédia e tiver palavrão, então, o bicho pega mesmo! Se bem que tendo palavrão já tá valendo. Acho que o pessoal não está acostumado a escutar gente falando cu, boceta, gozo, foder, etc. Na novela das oito não dizem esse tipo de coisa, até porque é pecado.

Dessa vez não foi diferente. Mal começara o espetáculo e as gargalhadas já rolavam soltas na platéia. Talvez as pessoas estivessem influenciadas pelo sábado a noite e pelo fato de terem trocado o conforto do lar e do Zorra Total pelo teatro. Não sei ao certo. O que sei é que, se no fim das contas meu assento nem era assim tão ruim, espacialmente falando, acabou se tornando uma merda graças aos tipos que me rodearam. Sentado à minha esquerda estava o sujeito que provavelmente mais gargalhou durante o espetáculo. Quando digo "gargalhar" espero que o leitor imagine alguém que tenta se comunicar com os atores do palco através do riso, mesmo estando a vinte fileiras de distância deles. Se não bastasse o volume da gargalhada, meu vizinho ainda se contorcia e projetava o corpo para frente a cada "piada" que escutava. O mesmo fazia a moça sentada na poltrona em frente: não basta gargalhar, o negócio é mostrar para todo o mundo como o texto é engraçado. Ela e seus vizinhos também riam risos largos e sonoros, ainda que com menos frequência. O barulho ao meu redor era tanto que por vezes não escutava o que os atores diziam. Por umas duas horas, estive sob fogo cruzado, tendo meus ouvidos massacrados por rajadas impiedosas de hahahas.

Na medida em que as gargalhadas não cessavam, aumentava o meu mau-humor e o meu descontentamento em relação ao espetáculo. Lá pelas tantas já nem conseguia prestar mais atenção ao texto ou à atuação. Só queria sair do teatro e me livrar daqueles risos. Não sou muito chegado a aglomerações humanas e esse tipo de público só faz com que eu reforce o meu asco. Ou será que sou eu que sou um mala? Será que é normal achar graça até onde ela não existe? Pouco importa. Naquele sábado nem os dinossauros conseguiram resgatar o meu humor.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

до свидания!

Sinto uma dor cada vez que penso que tem um tempão que não escrevo aqui. Mais uma vez o Gulag foi abandonado. Não gostaria de deixá-lo as traças por muito mais tempo, mas por enquanto terá de ser assim. Tenho muito o que resolver com um certo prussiano antes de voltar a lidar com meus prisioneiros. до свидания!

terça-feira, 26 de julho de 2011

22/07

Na última sexta-feira, 22 de julho, um sujeito resolveu explodir uma bomba na capital da Noruega, Oslo, e, logo em seguida, metralhar jovens que se divertiam em um acampamento de férias. Segundo ele, a Escandinávia seria incapaz de perceber os perigos que a imigração e a miscigenação racial trariam ao seu povo. Caberia a ele, portanto, alertar os noruegueses para essas ameaças. A frieza que envolveu os atentados terroristas chocou o mundo. Até aí, nenhuma novidade. Esse tipo de coisa é cada vez mais comum e, como estudante de Relações Internacionais, Ciência Política e o caralho a quatro, pouco me impressionam. Ou melhor, pouco me impressionavam. Achei que essa tentativa de entender fenômeno de forma ciêntifica me blindaria de alguma forma quando ele ocorresse. Aquela manhã provou que eu estava errado. Ao ver as fotos do que acontecia em Oslo, praticamente em tempo real, tive vontade de chorar. Voltei no tempo para 2009, quando morei na cidade, e pensei nas vezes em que estive próximo do local atingido pelas explosões. Pensei na minha família, nos meus amigos, e na aflição que sentiriam ao saber que eu poderia ser uma das vítimas do atentado. Pensei em uma sociedade que era modelo de tolerância e de democracia e nas consequências nefastas que um acontecimento desse tipo traria a ela no longo prazo. Não há conhecimento empírico que nos blinde contra o mundo real. Inocência minha acreditar que estaria a salvo. Como o médico oncologista que vê um ente querido ser vítima de câncer. A dor de viver determinada situação, antes conhecida apenas pelos livros, pelas notícias do jornal ou pelos outros, é real. Na sexta-feira de manhã, aquele sujeito feriu dezenas de noruegueses, mas quantas outras pessoas não terão sido feridas ao redor do mundo? Parte de minhas lembranças sangraram.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Tigresa

Hoje entrei em uma loja cheia de
Peles e couros e panos que
Imitavam animais.

Uma moça vestida de tigresa desfilava
Pra lá e
Pra cá,
Com seus sapatos de salto e mini-saia,
Bolsa gigantesca e casaco combinando:
Ar de quem quer ser grande coisa
(Ainda que não seja).

Foi quando percebi que detrás da tigresa
Havia apenas uma
Vaca.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Lembranças da Casa da Vó I

A casa da vó tem grades de ferro negro,
Muros baixos, ladeados por arbustos espinhentos de
Florzinhas vermelhas;
Tem grama à vontade e uma piscina que parece um lago;
Árvores de sombra e de frutas,
Cujas folhas caem no inverno e viram adubo
Pra horta que dá cenoura, tomate, beringela, xuxu e até
Alcachofra, além de uma porção de outras coisas;
Inclusive vontade de voltar à horta.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Rei da Sacanagem

Desde os tempos de colégio sou conhecido como o Rei da Sacanagem. O título, logicamente, não veio de graça. Teve a sua origem na época em que boa parte da minha mesada era destinada à compra de revistinhas de mulher pelada. Só um guri de doze ou treze anos sabe a emoção que é ir até uma banca de jornal com esse objetivo.

A operação era sempre muito bem pensada e envolvia o respeito a algumas regras que, na minha cabeça, facilitavam toda a empreitada. A regra número um era parecer seguro. Entrar na banca e escolher as revistas como se essa fosse a situação mais natural do mundo. Cordialidade com o jornaleiro era indispensável. Além disso, a estratégia envolvia um complexo sistema de rodízio: se em uma semana visitava a banca xis, na outra obrigatoriamente visitaria a banca ípsilon, depois a zê e assim por diante, até ter percorrido todo o bairro. A idéia era evitar ser taxado de punheteiro pelos jornaleiros. Fora isso, existia também o medo de receber um não. Afinal, era menor de idade e legalmente não podia comprar esse tipo de material. A sorte era que a grande maioria dos jornaleiros não estava nem um pouco preocupada com a legalidade do negócio e vendia as revistas sem hesitar. É claro que, às vezes, o temido não acabava vindo. Nessas horas, a vontade era de sumir e de nunca mais voltar àquela banca. De fato não voltava, pelo menos por um tempo. Passadas algumas semanas, acreditava que o jornaleiro já teria esquecido meu rosto e que portanto poderia voltar a visitá-lo sem problemas. Se achava que a barra ainda estava suja para o meu lado, contatava meu cúmplice e agíamos juntos.

O amigo em questão gostava tanto de sacanagem quanto eu. Éramos uma dupla imbatível no quesito putaria, verdadeiros connoisseurs. Sabíamos de cor os nomes de editoras, de publicações, as datas de lançamentos, e claro, conhecíamos muito bem as moças que ilustravam as revistas. Nos sábados, reuníamo-nos para comentar as revistas e planejar o roteiro de visitas da semana seguinte.

Em bem pouco tempo descobrimos a existência dos sebos e de seus infinitos acervos pornôs. Ainda que a idéia de comprar revistas de sacanagem usadas fosse estranha – estávamos sempre prontos para encontrar páginas coladas, manchas e cheiros – não nos preocupávamos com ela e passávamos tardes garimpando os sebos mais obscuros do Centro. Tomávamos um ônibus e íamos de sebo em sebo catando raridades. Mesmo durante as férias, na praia, investíamos em nossas coleções, comprando, vendendo e trocando revistinhas. Não havia gênero que não nos interessasse. Do catecismo à fotonovela explícita, dos quadrinhos orientais ao pornô ginecológico: se tinha mulher já valia o investimento.

Àquela altura toda a galera já sabia do meu hobby. Quando viu o que eu escondia embaixo da cama, não deu outra: coroou-me Rei da Sacanagem. Logo que recebi o apelido não gostei muito da idéia. Junto com o título vinha implícita a condição de punheteiro-mór. O que as meninas pensariam? Eu não era nenhum tarado e temia que o apelido pudesse fazer com que as pessoas pensassem o contrário. Aos poucos, contudo, fui percebendo que ser o Rei não era para qualquer um. Afinal, todo mundo gostava de sacanagem, todo mundo queria sacanagem, mas todo mundo tinha medo de admitir. Eu era diferente. Curtia uma putaria e afirmava isso com orgulho, com nobreza. Era mesmo o Rei.

A popularização da internet acabou transformando meu modus operandi. Mudei o foco para fotos digitais e a mesada passou a ser torrada em disquetes. Dali em diante comprava apenas aquelas revistas essenciais para qualquer coleção. As Playboys da Carla Perez, Tiazinha, Sheila Mello e de tantas outras musas dos anos 1990, hoje praticamente esquecidas. Meu amigo seguiu comprando revistas por mais algum tempo, mas acabou se rendendo aos bytes também.