Já faz um tempo que sou espectador assíduo das peças do Porto Alegre em Cena. Todos os anos renovo minha Carteirinha da FUNAI e bato ponto na Usina do Gasômetro para comprar as entradas. Costumo chegar lá bem cedinho - o que não é fácil, uma vez que a venda de ingressos sempre inicia em um final de semana - na esperança de evitar filas quilométricas e ainda garantir bons assentos para cada espetáculo. Com a identificação de estudante no bolso, para conseguir os descontos que me cabem por direito, espero alegre, horas a fio, o momento de apontar para a moça do guichê os espetáculos que desejo assistir. Se não fossem os amigos, fiéis escudeiros que sempre me acompanham, talvez nem me dispusesse a viver essas emoções assim, anualmente. Mas o fato é que vou, ou melhor, ia.
Neste ano resolvi deixar o Festival para lá, dada a imensa carga de trabalho que tenho de vencer até o fim do semestre. Ao invés de mofar numa fila em uma manhã ensolarada de domingo, pedi a um desses amigos que comprasse um único ingresso para mim, pela internet mesmo. A idéia era poupar tempo e dinheiro, já que do ano passado para cá os ingressos sofreram um rompante inflacionário de assustar até uma Zélia de Mello. Depois de se irritar inúmeras vezes com o eficiente sistema de compras online do Festival, meu amigo ligou avisando que conseguira os tiquetes. O único porém era que os nossos assentos não eram tão bons, porque a peça era uma das mais procuradas e os ingressos estavam quase esgotados. Tudo bem, pensei, estas coisas são assim sempre. O importante é ter os lugares.
Todo o ano participo do Porto Alegre em Cena e todo o ano me esqueço como o público é burro. Por sorte ele nunca tarda a me lembrar. Acho surpreendente como o povo consegue ver graça em tudo. Por mais dramático que o texto seja, há sempre um engraçadinho para dar risada. Se a peça for declaradamente uma comédia, o circo está armado! Se for comédia e tiver palavrão, então, o bicho pega mesmo! Se bem que tendo palavrão já tá valendo. Acho que o pessoal não está acostumado a escutar gente falando cu, boceta, gozo, foder, etc. Na novela das oito não dizem esse tipo de coisa, até porque é pecado.
Dessa vez não foi diferente. Mal começara o espetáculo e as gargalhadas já rolavam soltas na platéia. Talvez as pessoas estivessem influenciadas pelo sábado a noite e pelo fato de terem trocado o conforto do lar e do Zorra Total pelo teatro. Não sei ao certo. O que sei é que, se no fim das contas meu assento nem era assim tão ruim, espacialmente falando, acabou se tornando uma merda graças aos tipos que me rodearam. Sentado à minha esquerda estava o sujeito que provavelmente mais gargalhou durante o espetáculo. Quando digo "gargalhar" espero que o leitor imagine alguém que tenta se comunicar com os atores do palco através do riso, mesmo estando a vinte fileiras de distância deles. Se não bastasse o volume da gargalhada, meu vizinho ainda se contorcia e projetava o corpo para frente a cada "piada" que escutava. O mesmo fazia a moça sentada na poltrona em frente: não basta gargalhar, o negócio é mostrar para todo o mundo como o texto é engraçado. Ela e seus vizinhos também riam risos largos e sonoros, ainda que com menos frequência. O barulho ao meu redor era tanto que por vezes não escutava o que os atores diziam. Por umas duas horas, estive sob fogo cruzado, tendo meus ouvidos massacrados por rajadas impiedosas de hahahas.
Na medida em que as gargalhadas não cessavam, aumentava o meu mau-humor e o meu descontentamento em relação ao espetáculo. Lá pelas tantas já nem conseguia prestar mais atenção ao texto ou à atuação. Só queria sair do teatro e me livrar daqueles risos. Não sou muito chegado a aglomerações humanas e esse tipo de público só faz com que eu reforce o meu asco. Ou será que sou eu que sou um mala? Será que é normal achar graça até onde ela não existe? Pouco importa. Naquele sábado nem os dinossauros conseguiram resgatar o meu humor.